A ideia de que
"estar enamorado" é o único motivo válido para permanecer casado é
totalmente contrária à ideia do matrimônio como um contrato ou mesmo como uma
promessa. Se tudo se resume ao amor, o ato da promessa nada lhe acrescenta; e,
assim, nem deveria ser feito. Uma coisa curiosa é que os próprios amantes,
enquanto permanecem apaixonados, sabem disso muito mais que os que só falam de
amor. Como observou Chesterton, os
apaixonados têm a tendência natural de fazer promessas um ao outro. As canções
de amor do mundo inteiro estão repletas de juras de fidelidade eterna A lei
cristã não exige do amor algo que é alheio à sua natureza: exige apenas que os
amantes levem a sério algo que a própria paixão os impele a fazer.
Estar
apaixonado é muito bom, mas não é a melhor coisa do mundo. Existem muitas
coisas abaixo, mas também muitas outras acima disso. A paixão amorosa não pode
ser a base de uma vida inteira. É um sentimento nobre, mas, mesmo assim, é
apenas um sentimento. Não podemos nos fiar em que um sentimento vá conservar para sempre sua intensidade total, ou mesmo que vá perdurar. O conhecimento
perdura, como também os princípios e os hábitos, mas os sentimentos vêm e vão.
É claro, porém, que o fim da paixão amorosa não significa o fim do amor. O amor
nesse segundo sentido - distinto da "paixão amorosa" - não é um mero
sentimento. E uma unidade profunda, mantida pela vontade e deliberadamente
reforçada pelo hábito é fortalecida ainda (no casamento cristão) pela graça
que ambos os cônjuges pedem a Deus e dele recebem Eles podem fruir desse amor
um pelo outro mesmo nos momentos em que se desgostam, da mesma forma que
amamos a nós mesmos mesmo quando não gostamos da nossa pessoa. Conseguem
manter vivo esse amor mesmo nas situações em que, caso se descuidassem
poderiam ficar "apaixonados" por outra pessoa. Foi a "paixão
amorosa" que primeiro os moveu a jurar fidelidade recíproca. O amor sereno
permite que cumpram o juramento. É através desse amor que a máquina do
casamento funciona: a paixão amorosa foi a
fagulha que a pôs em funcionamento.
As pessoas tiram dos livros a ideia de que, se você casou com
a pessoa certa, viverá "apaixonado" para sempre. Como resultado,
quando se dão conta de que não é isso o que ocorre, chegam à conclusão de que cometeram um erro, o que lhes daria o direito de mudar - não percebem que, da
mesma forma que a antiga paixão se desvaneceu, a nova também se desvanecerá.
Retirado do livro:
Cristianismo puro e simples
Livro III / Conduta Cristã
Livro III / Conduta Cristã
6. "O CASAMENTO CRISTÃO"
C. S. Lewis.